Artigos da senadora

PEC 55 cai agravar desigualdade regionais

 

*Ângela Portela

30/11/2016

 

 

O Brasil assiste espantando à fúria com que o governo do presidente Michel Temer tem atacado as políticas sociais, que beneficiam grande parcela da população brasileira, notadamente, nas regiões Norte e Nordeste do país, onde, há décadas, predominam os piores indicadores de pobreza e de desigualdades sociais e econômicas.

A Proposta de Emenda à Constituição – PEC 55 – que restringe investimentos em áreas essenciais como educação, saúde e assistência social, por 20 anos, aprovada em primeiro turno, no Senado, na última terça-feira, é um verdadeiro desmonte das políticas sociais e terá forte impacto social, com consequências drásticas da vida de milhões de pessoas.

Para aprovar esta proposta, o governo argumenta que o Brasil está atravessando uma grave crise fiscal. Não é verdade. Estamos passando sim, por um momento de desequilíbrio econômico, fruto da retração da economia mundial, da diminuição dos preços internacionais de commodities e da crise política, inflada pelos derrotados nas eleições de 2014.

Também não se constitui verdade a argumentação de que o desequilíbrio decorre de um aumento considerável de despesas. Quem assim fala desconhece que nossa crise é de arrecadação. As despesas primárias, que o governo sem voto pretende congelar por 20 anos, cresceram menos no governo Dilma que durante os dois mandatos de Lula e o segundo de FHC. O problema é que as receitas cresceram muito menos.

A bem da verdade, o país precisa ampliar e melhorar a qualidade dos gastos sociais, porque são eles que garantem condições melhores de vida para a parcela mais necessitada da população. Além disso, esses gastos constituem investimentos no país, visto que ajudaram a aquecer a economia, especialmente nas regiões mais pobres.

Neste aspecto, um ponto tem sido abandonado neste debate: o forte impacto que a PEC 55 terá nas políticas públicas de redução de desigualdades regionais. Enquanto o artigo 43, da Constituição determina que a União articule ações visando o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades, a PEC aponta no sentido exatamente oposto. 

Com a aprovação da PEC 55, estados mais pobres, como Roraima, serão fortemente afetados pela retração de despesas sociais. Os investimentos em educação serão limitados e isso terá um efeito na vida de quem mais precisa de educação pública.

O mesmo vale para as áreas de saúde, assistência social, infraestrutura e agricultura familiar que carecem de investimentos públicos, especialmente, no Norte e Nordeste, regiões onde são registrados os piores indicadores de mortalidade infantil, escolarização, acesso a saneamento, moradia, emprego e renda.

Não há como negar que vínhamos tendo, nos últimos anos, um processo inédito de redução das graves desigualdades sociais e regionais, graças a programas sociais como o Bolsa-Família, Minha casa Minha Vida, Pronatec, Agricultura Familiar e de recomposição do salário mínimo. Também houve conquistas importantes na educação e na ampliação da assistência à saúde. Esses avanços foram possíveis porque o governo anterior destinou recursos do orçamento para as áreas sociais. Mas este processo foi fortemente atacado e o estado vai deixar de cumprir suas funções como agente redutor das desigualdades.

Uma pergunta não quer calar: como os parlamentares que votaram pela PEC 55, vão explicar nas suas bases que ajudaram a pôr fim aos investimentos em programas de merenda e transporte escolar, livro didático, leitos hospitalares e moradia? Certamente, não vão assumir sua responsabilidade por um Brasil ainda mais injusto, desigual, violento e inviável. Enfim, quem vai responder pelas mazelas que hão de vir com a PEC 55?

 

Ângela Portela, é senadora pelo PT de Roraima

 

 

 

Foro privilegiado é absurdo que precisa acabar

 

*Ângela Portela

21/11/2016

 

As recentes prisões dos ex-governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, decorrentes de decisões de juízes federais, deixaram mais uma vez exposto o absurdo do foro privilegiado. Garotinho é acusado de crime eleitoral e obstrução da Justiça; Cabral, de corrupção, entre outros delitos.

É difícil crer que estivessem presos se gozassem da prerrogativa de foro, que confere a autoridades dos mais diversos níveis o direito de serem processadas em tribunais superiores, representando benefício, e não raro, impunidade a cerca de 20 mil pessoas Brasil a fora.

Levantamento recente do Jornal Folha de S. Paulo, com base em dados disponibilizados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, aponta que há pelo menos trinta inquéritos envolvendo autoridades tramitando há mais de seis anos sem desfecho. E mais: muitos deles seguem inconclusos há pelo menos dez anos.  

Meu estado conhece bem essa situação, já que um dos políticos de trajetória mais nebulosa das últimas décadas, senador por Roraima desde 1995, constitui exemplo gritante de um sistema judicial que não anda quando se trata de processar autoridades.

Recentemente indicado líder do governo Temer, Romero Jucá coleciona sete processos em que é investigado por crimes como apropriação indébita, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Nunca é demais lembrar que o mesmo senador foi recentemente flagrado em ligações telefônicas comprometedoras, nas quais defendia abertamente uma operação-abafa para “estancar a sangria” representada pela Operação Lava-Jato no mundo político.

Temos então um senador multi-investigado, flagrado em tramas obscuras, mas que mantém seu poder político. Isso só é possível porque ele, como tantos outros, se protege pela prerrogativa de foro.

E como fica a sociedade diante de histórias como essa? Qual o sentimento que pode advir, senão o da impunidade e o de que as instituições protegem quem tem poder e recursos financeiros?

E, quem pode negar que a certeza da impunidade alimenta a corrupção e os desvios na administração pública? Quem pode duvidar do fato de que a impunidade destrói a credibilidade nas instituições, condição fundamental para a construção da Justiça e da democracia?

Processos que se arrastam sem decisão definitiva prejudicam a imagem dos políticos inocentes; minam a credibilidade da classe política como um todo, e arranham a imagem do Judiciário.

Os únicos beneficiados são aqueles que cometeram malfeitos, que se utilizaram dos mandatos para fazer negócios, e que se aproveitam da prerrogativa de foro para escapar das garras da lei.

Essa é uma situação que não pode perdurar. Como bem alertou o ministro Luis Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal não está dotado das condições necessárias para atuar como corte penal.

Sua vocação deve ser funcionar como última instância recursal do Poder Judiciário e como corte constitucional, mantendo suas atribuições de primeira instância em matéria penal apenas para um rol extremamente reduzido de autoridades.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania prepara-se para votar uma PEC que pode solucionar esses problemas e, mais importante, enviar à sociedade brasileira o sinal claro de que o Senado não tolera a impunidade.

O texto é de autoria do senador Alvaro Dias (PV-PR) e tem parecer favorável de Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Sem prejuízo de eventuais aprimoramentos que possa receber, é importante que ele seja aprovado e que o instituto da prerrogativa de foro enfim seja revisto.

O resgate da credibilidade da classe política é fundamental para o avanço da democracia. Do contrário, abriremos espaço para aventureiros, que se declaram não políticos, mas que são capazes de trazer enormes retrocessos à nossa jovem democracia.

Mas não há como ter credibilidade com a manutenção do foro privilegiado, que dá aos detentores de mandato vantagens que não são conferidas ao cidadão comum.

Por fim a esse privilégio é o desejo da sociedade brasileira. Espero que o Senado faça a sua parte.

 

Ângela Portela, é senadora pelo PT de Roraima

 

 

A PEC 241 não é a única saída

 

*Ângela Portela

 

Durante o longo processo que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff alertei inúmeras vezes que um dos objetivos das forças que articulavam a deposição da presidenta era impor ao país uma pauta de restrição dos direitos sociais e de diminuição dos investimentos em saúde e educação. Não demorou muito para que as previsões se confirmassem.

A proposta de emenda à Constituição 241, identificada por Novo Regime Fiscal, aprovada na Câmara dos Deputados, infelizmente, confirma as piores previsões e torna-se, de certa forma, a prova cabal da insensibilidade social do governo Temer.

Sob o argumento de que é preciso combater o desequilíbrio fiscal, os técnicos do governo pretendem impor uma política de forte retração dos investimentos públicos, com efeitos drásticos em áreas fundamentais para o resgate da dívida social brasileira.

Economistas independentes têm dito que a PEC 241 parte de uma premissa equivocada, uma vez que a fonte do déficit fiscal brasileiro não é o aumento das despesas, mas a diminuição das receitas, fruto da retração da economia, de políticas de desoneração exageradas e da falta de uma reforma tributária que faça os mais ricos pagarem mais impostos, aliviando a carga sobre os mais pobres.

A PEC 241, ao contrário do que apregoam seus defensores, se aprovada, pode agravar a recessão, aprofundando o próprio déficit fiscal que pretende diminuir. A estagnação dos investimentos públicos por 20 anos, além de um ato antidemocrático, porque impede a livre tomada de medidas de política econômica por futuros governos – pois ainda teremos eleições democráticas em nosso país -, elimina o caráter de indutor da economia que o estado por certo tem.

Apenas em um exemplo simples, tomando por base estudo da Fundação Oswaldo Cruz, setenta centavos de cada real investido no SUS retornam à sociedade na forma de crescimento econômico. Se levarmos em consideração que o congelamento atingirá a educação e a formação profissional das próximas gerações e investimentos em infraestrutura, é possível estimar os enormes efeitos negativos da 241.

Tampouco é verdade que a PEC tenha a capacidade de melhorar a qualidade dos gastos públicos, algo que depende de investimentos nos serviços públicos. O orçamento congelado vai provocar uma disputa ferrenha por recursos entre áreas do governo, aumentando o poder dos grupos de pressão. Alguém acredita que políticos acostumados a aproveitar os banquetes do poder vão abrir mão de seus privilégios?

A PEC 241 nada mais é do que uma tentativa do governo ilegítimo, de garantir a remuneração do sistema financeiro, responsável por sugar 40% do Orçamento Federal, na forma de pagamento dos serviços da dívida. Note-se que a proposta do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles protege de cortes os gastos com a dívida pública. É preciso refutar, a afirmação do ministro, de que não há alternativa que não seja a PEC 241, já batizada pela oposição e especialistas em políticas públicas, de “A PEC da Morte”, dado o seu caráter de injustiça com a parcela mais desprovida de direitos socais do nosso país.

É importante dizer que a medida é uma verdadeira invenção dos burocratas do governo. Nenhum país aplica um congelamento desse tipo, especialmente em momentos de crise, quando os investimentos públicos são ainda mais necessários. Os países que adotam restrições ao crescimento das despesas usam como parâmetro o crescimento da própria economia, o que garante a distribuição mais justa das riquezas do país.

Há, sim, alternativa. A principal delas é uma cobrança mais justa de tributos sobre os que praticamente não pagam nada hoje. Tributos sobre grandes fortunas ou a taxação de dividendos obtidos em participação societária são apenas algumas das possibilidades. Infelizmente, em nosso país os mais ricos pagam muito pouco imposto, que se concentra no consumo, inclusive de bens como alimentos e medicamentos, penalizando os mais pobres.

Uma reforma tributária justa geraria recursos fundamentais para garantir investimentos públicos que certamente levarão à retomada do crescimento. E com a economia recuperada, a arrecadação voltará a crescer, tapando o buraco do déficit. Essa, sim, é a única receita.

 

*Angela Portela é senadora da República.

 

 

 

Estado chega aos 28 anos, buscando desenvolvimento

 

*Ângela Portela

 

Quase três décadas depois de ser transformado em Estado da federação, Roraima enfrenta enormes desafios em busca de seu desenvolvimento econômico e social. São desafios que não podem mais passar despercebidos pelo governo central do país, seja este pertencente a um ou a outro projeto político-ideológico.

Roraima completou 28 anos, no último dia 5, em meio à uma crise financeira sem precedentes, gerada, entre outras razões, pela queda de repasses do Fundo de Participação dos Estados. Tanto é verdade, que o Tribunal de Constas do Estado (TCE/RR) orientou os gestores públicos municipais e do Estado a adotar medidas de equilíbrio das contas públicas.

Mas há outro impeditivo ao desenvolvimento socioeconômico de Roraima, que é a crise energética. Em audiência, na última quarta-feira, com o presidente Michel Temer, destaquei que o desenvolvimento do nosso jovem Estado reside, entra outras questões, na retomada da construção do Linhão de Tucuruí.

Obra crucial para Roraima, o Linhão de Tucuruí é uma linha de transmissão que visa ligar Manaus a Boa Vista, permitindo, assim, a conexão de nosso Estado com o Sistema Interligado Nacional (SIN). Roraima, como se sabe, é a única unidade da federação isolada desse sistema.

Leiloada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 2011, a obra do Linhão de Tucuruí, a ser construída na faixa de domínio da BR-174, já deveria estar pronta, não fossem os entraves judiciais que enfrenta para cruzar os 125 quilômetros da terra dos povos indígenas Waimiri-Atroari.

Empenhada em destravar esta obra, a então presidente da República, Dilma Rousseff, interveio diretamente na questão. Por conta de sua ação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu a carta de anuência, documento que faltava para que o Ibama expedisse a licença prévia para a obra.

Mas tudo voltou à estaca zero. E, enquanto a solução não vem, o isolamento de Roraima agrava a crise de energia elétrica, com apagões constantes, elevações inaceitáveis de tarifas e a eterna dependência do fornecimento de energia da Venezuela.

Roraima apresenta uma demanda energética de 189,1 megawatts, suprida apenas parcialmente pela geração da usina hidrelétrica Macágua II, localizada na Venezuela – que nos chega pela linha de transmissão de Guri, com 95 megawatts. Para garantir o fornecimento de energia para Boa Vista e parte do interior do Estado, a Eletrobras ampliou o parque de usinas termelétricas, totalizando a oferta de 189,1 megawatts.

O futuro nos amedronta. Projeções de demandas, considerando crescimento anual de 10%, apontam déficit já a partir deste ano, sendo inevitável a construção de outras usinas térmicas, que são muito caras, além de poluentes. Para se ter ideia, o custo de operação das usinas termelétricas supera R$ 720 milhões ao ano, sendo mais de R$ 500 milhões decorrentes somente da aquisição de diesel.

Por isso, tenho dito que nossa energia é cara e ruim, pois, além nos impor altos custos, traz problemas ambientais. Uma usina com capacidade de produzir 100 MW de energia requer o plantio de 600 mil árvores para compensar a emissão de gás carbônico, caso funcione tão somente três meses por ano. Em Roraima, as emissões de CO2 mais relevantes provêm dessas termelétricas em operação.

Toda esta situação impede que o Estado encontre perspectivas de investimento produtivo e desenvolva suas vocações, como anseia sua população, que hoje supera os 500 mil habitantes.

É, enfim, a responsabilidade que tenho com Roraima que me leva a cobrar do governo ao qual faço oposição, apoio no sentido de destravar a execução do projeto de construção do Linhão de Tucuruí. O presidente se comprometeu em apresentar solução à questão dentro de um mês. Estarei atenta para cobrar resposta a nossa demanda por desenvolvimento sustentável, com energia barata e de qualidade.

 

* Ângela Portela é senadora por Roraima.

 

 

 

 

Ensino médio: os riscos da proposta do governo

 

* Ângela Portela 

 

A sociedade brasileira foi surpreendida esta semana com o anúncio de uma reforma no ensino médio. Todos os que como eu militam na educação reconhecem a necessidade de mudanças não apenas nessa fase da educação básica. Reestruturação de currículos, com adequação aos temas e tecnologias atuais, valorização do magistério e escola em tempo integral são algumas das bandeiras que estão na ordem do dia da educação. Muitas delas, inclusive, fazem parte do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014.

Ocorre que o governo propõe mudanças no mínimo polêmicas, por meio de um instrumento que inviabiliza a discussão necessária: a medida provisória. Como bem alertou o Ministério Público Federal, por meio de nota, “as mudanças em um sistema que envolve redes públicas de ensino da União, estados e Distrito Federal e ampla rede privada precisam de estabilidade e segurança jurídica, o que o instrumento da Medida Provisória não pode conferir, uma vez que fica sujeito a alterações em curto espaço de tempo pelo Congresso Nacional”.

Deve-se ressaltar também que a medida provisória, conforme vem sendo anunciada, tem inúmeros problemas potenciais, o que indica a necessidade de uma discussão mais equilibrada do tema, ao contrário dos efeitos imediatos, como pretende o governo.

Chama a atenção no texto o fim da obrigatoriedade do ensino de artes e educação física nos três anos do ensino médio. A reforma imporia ao estudante a escolha de uma área de interesse ainda no início do ensino médio. Isso significa que um jovem de 15 anos vai ter que dizer qual carreira pretende seguir ainda nessa idade. Depois, se resolver trocar, o que não é incomum, optando por outra área de conhecimento, terá que retornar ao terceiro ano do ensino médio. Ao contrário do que apregoa o Ministério da Educação, teremos aí forte desestimulo para a continuidade dos estudos e aumento da evasão escolar, que já é um dos maiores problemas educacionais em nosso país.

A clara intenção do governo é desvalorizar as disciplinas relacionadas com humanidades e com a formação de cidadãos e cidadãs. A única preocupação seria formar mão-de-obra para o mundo do trabalho. Não se pode negar a importância de preparar os jovens para o mercado, mas não há qualquer incompatibilidade entre isso e uma formação geral sólida. Esta, pelo contrário, torna mais capaz e bem preparado qualquer profissional técnico.

Outro problema é que o governo federal pretende criar obrigações para os estados, já sob enormes dificuldades orçamentárias. E por contraditório que possa parecer, o mesmo governo que apresenta essa proposta é o que patrocina a chamada PEC da Meta Fiscal, que imporá restrições orçamentárias drásticas às áreas sociais, notadamente a saúde e a educação.

Novidade não menos preocupante é o fim da exigência de concurso público para a carreira do magistério técnico.

Os equívocos da proposta talvez se expliquem por um erro de diagnóstico do governo. Se acerta ao dizer que a escola atual não dialoga com os jovens, o ministro Mendonça Filho erra ao imaginar que a solução está na retirada de disciplinas de humanidades ou na possibilidade de formação profissional ainda no ensino técnico.

Os estudantes não ficam na escola porque os ambientes são antiquados, os professores ganham mal e não têm motivação, entre outras razões, algo que os especialistas em educação já apontam há bastante tempo. Medidas governamentais que atacassem esses problemas seriam uma boa forma de começar a resolver o problema do ensino médio.

 

* Ângela Portela é senadora da República por Roraima.

 

 

Abusos das empresas aéreas

 

* Ângela Portela

 

O setor aéreo brasileiro encontra-se em franco crescimento nos últimos anos. Milhões de pessoas estão, pela primeira vez em suas vidas, tendo a oportunidade de viajar de avião, realizando, assim, um sonho de décadas. Esse quadro decorre, fundamentalmente, de dois fatores. De um lado, a ampliação da concorrência entre as empresas aéreas, que aumentou a oferta e fez os preços das passagens baixarem. De outro, a elevação da renda das camadas mais pobres da população, que ampliou seu poder aquisitivo, transformando-as num segmento consumidor de serviços de transporte aéreo. 

Esse contexto de ampliação do mercado consumidor de serviços aéreos propicia, no entanto, que algumas empresas façam uso de expedientes condenáveis na busca do lucro, em prejuízo da população e da concorrência, hoje já bastante reduzida. Exemplos desse comportamento são a interrupção abrupta de serviços, a suspensão de frequências, o cancelamento de voos, a cobrança adicional por serviços essenciais e o abuso do poder econômico, práticas que a pretendemos combater.

Com relação à interrupção de serviços, que causa enormes prejuízos às localidades que deixam de ser atendidas, propomos que a desistência da exploração de linha aérea seja comunicada à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) com antecedência mínima de três meses, de modo a evitar que os passageiros e a população em geral sejam surpreendidos e a permitir que as autoridades busquem soluções alternativas para o problema. O mesmo princípio valerá para a suspensão de frequências, rotineiramente manipuladas pelas empresas quando desafiadas por eventual concorrência.

A fim de evitar que a operação de determinadas linhas seja usada como instrumento de eliminação da concorrência, desejamos que não se permita à empresa aérea que houver desistido de explorar uma linha voltar a fazê-lo em prazo inferior a dois anos. Propomos, ainda, que o cancelamento de voos específicos seja punido, mediante pagamento ao passageiro de multa de valor equivalente ao da tarifa cheia cobrada pela empresa aérea no trecho correspondente, acrescido de reembolso do valor pago na aquisição do bilhete.

Para coibir a cobrança indevida por serviços adicionais, seria desejável que a ANAC especifique quais são os serviços correspondentes a cada tarifa oferecida, que deverão ser claramente informados ao consumidor antes da aquisição do bilhete, vedada qualquer cobrança adicional pelos serviços abrangidos, além de estabelecer que a ANAC discipline e fiscalize a forma como essas tarifas são apresentadas nos sites de venda de passagens, de forma a evitar a propaganda enganosa e a oferta de serviços extras, como seguros de viagem, de forma sub-reptícia.

Por fim, propomos que todo e qualquer indício de manipulação de tarifas ou de linhas que vise à dominação dos mercados ou à eliminação de empresas rivais seja imediatamente comunicado aos órgãos de defesa da concorrência, representados pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), para investigação relativa à prática de infração contra a ordem econômica.

 

* Senadora pelo PT de Roraima e autora do projeto de lei nº 278, de 2011, que visa coibir abusos cometidos pelas empresas de transporte aéreo.

 

 

 

10% do PIB para a Educação: entre o sonho e o pesadelo

 

Ângela Portela e João Monlevade *

 

Dois assuntos têm dominado a pauta dos que se preocupam com a educação no Brasil: o que se vai nela investir em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e o destino dos royalties do petróleo. Desde que a Câmara dos Deputados aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) com 10% do PIB para a educação, passou-se a reivindicar 100% da crescente renda dos royalties para se atingir este patamar.

Hoje se gasta perto de R$ 220 bilhões (5% do PIB), em despesas com educação superior e básica públicas da União (1%), Estados (2%) e Municípios (2%). Por enquanto, a Câmara Federal, em votação que dividiu o plenário, rejeitou qualquer vinculação da receita dos royalties à educação. Este artigo pretende esclarecer o problema e oferecer algumas pistas para sua solução. 

Com os 5% do PIB, mantemos em 2012 1,5 milhão de estudantes em universidades federais e estaduais gratuitas; 9 milhões de alunos no ensino médio estadual; 27 milhões no ensino fundamental, a maioria de redes municipais, que sustentam, sozinhas, mais 5 milhões de crianças em creches e pré-escolas. 

Se quisermos universalizar o atendimento a quem tem direito, há que trazer mais um milhão para o ensino fundamental, 2 milhões para o médio profissional, 7 milhões para a educação infantil e, pelo menos, segundo as metas do PNE, 30 milhões para a educação de jovens e adultos, que incluem 15 milhões de analfabetos absolutos – chaga nacional até agora incurável. Esses 40 milhões, a um custo anual médio de R$ 3.000,00, significariam R$ 120 bilhões, quase 3% do PIB.

A evolução dos gastos nos anos recentes, entretanto, não se deu tanto na educação básica: concentrou-se na expansão das matrículas em cursos federais de universidades e institutos de tecnologia, que se espalharam virtuosamente por todo o País. Para se chegar ao percentual de 30% dos jovens de 18 a 24 anos em cursos de graduação (como já prescrevia o PNE de 2001-2010) e que ainda nos manteria abaixo dos índices da Argentina, Cuba e Paraguai e prover a expansão “natural” dos mestrados e doutorados públicos, que representam investimento em pesquisa, precisamos de mais 1% do PIB. O que faltaria para chegar aos 10%? Somente 1%, ou seja, R$ 44 bilhões do PIB atual. 

Mas ainda não respondemos a duas outras demandas. A primeira, da valorização salarial dos profissionais da educação. Algum político ou pai e mãe de aluno se nega a dar razão às reivindicações dos sindicatos? Para dobrar a média salarial de R$ 2.500,00 só dos 2 milhões de professores precisaríamos de R$ 66 bilhões – 1,5% do PIB.

A segunda demanda tem tudo a ver com uma das causas do pesadelo que nos aflige: a baixa qualidade da educação escolar pública. Não somente as memórias de Anísio Teixeira e de Darcy Ribeiro nos alertam da necessidade de escola em jornada integral; as classes médias em ascensão a exigem, como o fizeram as parcelas esclarecidas dos países europeus, do Japão, do Canadá, da Coréia, de Cuba, e que hoje fazem os eleitores da Argentina, do Uruguai e da Venezuela. Qualidade para capacitar os futuros cidadãos e profissionais exige currículo com, no mínimo, sete horas diárias – o que, por baixo, custa mais 1,5% do PIB, mesmo considerada a diminuição dos alunos no ensino fundamental e médio, em razão da baixa taxa de natalidade em que vivemos. Chegamos não a 10%, mas a 12%.

Não estamos advogando 12% do PIB para a educação a cada ano, nem mesmo no último ano do PNE, que não se sabe se será 2022 ou 2023. Aqui há uma engenharia de cálculos, que deve considerar gradatividade no atendimento e redução de demandas. Mas, o que é líquido e certo é que precisamos de mais recursos financeiros.

Em 2011, foi protocolada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 101, pela qual a sociedade brasileira se comprometia a investir 10% do PIB em educação “até o último ano de vigência do Plano Nacional de Educação”. Por meio de artigo adicional à Constituição, indicam-se as fontes de novos recursos. Entre elas, percentuais crescentes de contribuições sociais da União, bem como de impostos e de receitas de royalties sobre o petróleo e outros produtos minerais de todos os entes federados.

Não advogamos 100% dos royalties. Números absolutos assustam e, no Brasil, não parecem “pegar”. Mas é bom passar pelo “susto” dos desafios e das propostas extremas de solução, embora saibamos que dentro de dez anos, toda a renda dos royalties do petróleo não deva chegar a 2,5% do PIB. Há muita capacidade contributiva sem ser tributada, muita renúncia fiscal injusta e irracional, muita sonegação a ser combatida. Daí podem provir argumentos e receitas para nos livrar de pesadelos e realizar sonhos.

  

Ângela Portela é professora e Senadora da República.

           João Monlevade é professor e consultor legislativo no Senado Federal.